sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Do lado de fora


Em uma conversa tranquila, perguntei quais motivos justificavam a partida dela. Aberta a seção de argumentos, ele ficou em silêncio. Olhou para o copo em cima da mesa, virou-se para o lado e, com uma menção de lamento no olhar, contou-me. A postura dele comportava-se com imprevisibilidade. Era estranho um homem daquela envergadura moral apresentar-se um tanto quanto perdido nos seus próprios desenlaces.

- Estranho seria se, realmente, ela não tivesse ido embora – disse.

- Como assim?

- Eu nunca estive com ela, para falar a verdade. Sempre achei que estava tão bem comigo mesmo, com minha vida e com meus problemas. Nunca, para ser sincero, eu a deixei entrar. Acho que ela estava o tempo todo na janela da minha vida – espiando-me de fora para dentro, ou, como fazemos nos balcões das lanchonetes: solicitando as próximas ações aos atendentes.  Para dentro da minha vida não deixava passar muita coisa. Tudo aquilo que poderia, mesmo que fosse por alguns minutos, me fazer perder a direção, eu colocava uma etiqueta vermelha e um prazo de validade. Ela levou muitas etiquetas vermelhas.

- Mas por que “etiquetá-la”? Afinal, gostavas ou não dela?

- Eu gostava. Não gostava era do jeito completamente persuasivo dela. Do cabelo ao modo de falar, ela sempre me foi diferente. Eu sempre tive....bem, para você eu posso dizer: eu sempre tive medo de que, a qualquer momento, eu pudesse pedir para que ela me pegasse pela mão ou então me acariciasse os cabelos a fim de tornar meu jeito de pensar menos propenso a desconfortos e minha vida um pouco mais cordial.

- Compreendi em partes o que você falou. Mas, afinal, ela era mais problema ou, digamos,  mais solução?

- Ela sempre foi completa. Eu é que fingia não ver. Fazia questão de não demonstrar. No fundo, eu tinha interesse, mas sempre julguei que em relação às coisas que eu fazia, ela seria imprópria a todas. Mas eu me enganei. Depois de um tempo, um tempo tarde, diga-se se passagem, eu percebi que meu egoísmo foi de tamanha primeira pessoa que, quando dei por mim, tinha jogado a grande chance da minha vida pela janela. Afinal, nunca fui capaz de abrir a porta para ela entrar. Se ao menos assim tivesse feito, a teria convidado para desfrutar de um matte gelado, uma boa conversa, e, quem sabe, uma divisão de dia. 

- Mas, no entanto, negaste a regar flores.

- Exato. Neguei-me a regar flores. Estou sem jardim. Agora tenho de me contentar a regar a casa com perfumes artificias - com a obrigação de se aproximarem ao máximo do dela. 






Um comentário:

  1. Perfumes artificiais... A quantas falsas frangâncias não nos acostumamos para que tudo pareça perfeito e o ritmo da rotina não se quebre... Quando a harmonia muitas vezes está na dissonância...

    Pare, não se pergunte o porquê e escreva um livro...

    Pensando até agora na beleza e na força do seu texto. Eu sempre volto para apreciar um pouco...

    Abraços,

    Antonio Sodré



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