Em uma conversa tranquila,
perguntei quais motivos justificavam a partida dela. Aberta a seção de argumentos,
ele ficou em silêncio. Olhou para o copo em cima da mesa, virou-se para o lado
e, com uma menção de lamento no olhar, contou-me. A postura dele comportava-se
com imprevisibilidade. Era estranho um homem daquela envergadura moral
apresentar-se um tanto quanto perdido nos seus próprios desenlaces.
- Estranho seria se,
realmente, ela não tivesse ido embora – disse.
- Como assim?
- Eu nunca estive com ela,
para falar a verdade. Sempre achei que estava tão bem comigo mesmo, com minha
vida e com meus problemas. Nunca, para ser sincero, eu a deixei entrar. Acho que ela
estava o tempo todo na janela da minha vida – espiando-me de fora para dentro,
ou, como fazemos nos balcões das lanchonetes: solicitando as próximas ações aos
atendentes. Para dentro da minha vida
não deixava passar muita coisa. Tudo aquilo que poderia, mesmo que fosse por
alguns minutos, me fazer perder a direção, eu colocava uma etiqueta vermelha e
um prazo de validade. Ela levou muitas etiquetas vermelhas.
- Mas por que “etiquetá-la”?
Afinal, gostavas ou não dela?
- Eu gostava. Não gostava
era do jeito completamente persuasivo dela. Do cabelo ao modo de falar, ela
sempre me foi diferente. Eu sempre tive....bem, para você eu posso dizer: eu
sempre tive medo de que, a qualquer momento, eu pudesse pedir para que ela me
pegasse pela mão ou então me acariciasse os cabelos a fim de tornar meu jeito
de pensar menos propenso a desconfortos e minha vida um pouco mais cordial.
- Compreendi em partes o que
você falou. Mas, afinal, ela era mais problema ou, digamos, mais solução?
- Ela sempre foi completa. Eu é que fingia não ver. Fazia questão de não demonstrar. No fundo, eu tinha interesse, mas sempre julguei que em relação às coisas que eu fazia, ela seria imprópria a todas. Mas eu me enganei. Depois de um tempo, um tempo tarde, diga-se se passagem, eu percebi que meu egoísmo foi de tamanha primeira pessoa que, quando dei por mim, tinha jogado a grande chance da minha vida pela janela. Afinal, nunca fui capaz de abrir a porta para ela entrar. Se ao menos assim tivesse feito, a teria convidado para desfrutar de um matte gelado, uma boa conversa, e, quem sabe, uma divisão de dia.
- Mas, no entanto, negaste a regar flores.
- Exato. Neguei-me a regar flores. Estou sem jardim. Agora tenho de me contentar a regar a casa com perfumes artificias - com a obrigação de se aproximarem ao máximo do dela.
Perfumes artificiais... A quantas falsas frangâncias não nos acostumamos para que tudo pareça perfeito e o ritmo da rotina não se quebre... Quando a harmonia muitas vezes está na dissonância...
ResponderExcluirPare, não se pergunte o porquê e escreva um livro...
Pensando até agora na beleza e na força do seu texto. Eu sempre volto para apreciar um pouco...
Abraços,
Antonio Sodré