quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"Vem que no caminho eu te explico."

Ao som de House of Shem, Think about you

Eu preciso confessar que esse medo que você tem em dar um passo “além-mar” às vezes me assusta. Mas não me detém.

Aos cinco anos de idade, quando meus pais me abandonaram para viajar pelo mundo e curtir seus últimos anos na  casa dos vinte, eu tive de me virar. Vovó era jovem, mas, mesmo assim, eu estava só e aos cinco anos eu me vi obrigado a ser homem 4 vezes mais.

Meus pais não estavam aqui quando aprendi a ler com proficiência; minha mãe não estava aqui para me ajudar quando meus dentes caíram; papai não me levou para o futebol e também não pude contar a ele minhas primeiras aventuras. Quando estava na casa dos dezessete, eles não comemoraram quando passei para a faculdade. Eu não tive o privilégio. Esse privilégio.

Tive outros – talvez mais intensos e mais reais, mesmo que difíceis.

Eu trabalhei cedo. Eu viajei por aí cedo. Conheci gente e fui conhecido também. Daí que nesse embalo da vida vivi situações mais íntimas e tive que tentar construir muita coisa em conjunto, sentir o gosto da derrota amorosa muitas outras vezes e querer tentar acertar em outras tantas. Eu me acostumei. Já faço parte deste organismo. Já rascunhei uma cartilha e não tenho medo em acrescentar novas informações e eliminar páginas.

Eu criei coragem com o tempo. Fui me tornando homem com vontade. E nessa vontade perdi o medo: o de viver, o de me entregar e o de proteger quem vier comigo. Acredito que isso seja fruto da rejeição do passado, do trauma, em partes, superado e da vontade enorme em ter uma história mais cuidadosa do que a que tive anos atrás.

Por isso eu espero você. Eu entendo você. E pretendo não te julgar. A única exigência que faço é: não solte a minha mão. Não me impeça de muita coisa, apenas confia em mim. Eu não sou o mesmo cara de cinco anos de idade. Não fica assustada, não entre em desconformes e não me tenha como inimigo. Apenas confia. E me deixa ser algo teu. Não precisa temer a vida, sei alguns macetes. Me segura forte e


"Vem que no caminho eu te explico."


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A volta da saudade nossa de cada dia


Ao som de "All in all", Lifehouse


A nossa vida tinha cara de verdade, meu bem. De verdade crua. De verdade nua. De verdade estampada no varal. A nossa história teve cara de botão de rosa: cheiroso, charmoso, delicado e real. A nossa história tinha cara-sabor de fruta cristalizada, que lembrava o Natal frio do Sul. E o Natal frio do Sul lembrava as nossas palavras quentes. Deixa pra lá, vê se dorme quando essa parte da lembrança chegar.

Nossa história teve tinta fresca, sabonete floral, carpete antialérgico, sábado de cama, som de chuva e portas trancadas. Meu amor, as coisas mudaram e tudo se perdeu – na última estação do trem. A gente viajou cada um para o seu lado ao som do nada, porque não tínhamos nada mais para tocar, a não ser o nosso passo solitário. Eu fui embora. Você também foi. A gente se deixou. A gente se largou, essa é que foi a verdade.

Só não entramos no vagão do esquecimento. Esquecemos os bilhetes.

Deu pra perceber isso no bar, na semana passada. Passei por você; você me provocou com seu perfume, eu me sintonizei na tua harmonia, você cutucou o garçom, pediu uma bebida e cerrou os olhos: alguém nos viu nos vendo. E ficamos tímidos pelas nossas vergonhas. Nunca havíamos passado por isso – e, sobre as nossas vergonhas, o lixão a caminho da casa da sua tia, no lado oeste da cidade, ainda deve guardar aquela lata de nossa velha timidez.

Voltando ao bar, ao passo que nos olhamos, ficamos mais sóbrios do que quando havíamos entrado nele. E foi então que você me olhou de novo, eu retribuí. Eu cheguei mais perto, você me segurou pela cintura e acordamos três anos mais tarde:


isso porque a história que agora contei foi nosso momento 1. E o reflexo dessa nossa mania de acreditar que eu amo você e "eu amo você", você pra mim, de verdade, veio só no mais tarde:

 De uma verdade crua. De uma verdade nua. De uma verdade estampada no (novo) varal.