domingo, 14 de outubro de 2012

Os amores que Lísia (não) teve


Lísia pintava as unhas de rosa pink, o cabelo de caramelo, adorava bolsas vermelhas, saltos 12 e Rimbaud. Pelas duas da tarde já havia feito sempre metade das suas atividades do trabalho. À noite, corria para o ballet a fim de buscar seu equilíbrio emocional, ou melhor, aperfeiçoá-lo. Aos 23 anos de idade Lísia já era uma mulher adulta, com um emprego legal, um Troller amarelo e toda a sua coleção dos Beatles e do Chico completas na estante principal do seu apartamento. Sem falar que já estava em seu segundo momento de coleção cinematográfica: mesmo sendo uma pessoa alegre, sempre tendenciou apaixonar-se pelas obras de Burton, sua primeira fileira de filmes fechada. Agora, iniciava a sua saga pelas histórias coloridas de Allen. No mais, Lísia se completava, só não nos amores. 

Se Lísia fosse uma cor, certamente seria transparente. Nunca foi de pintar muito suas palavras, a não ser que fosse um assunto que se envergasse para as Artes, fora isso, diziam que ela era fria. O mais engraçado é que os afirmadores desta acusação eram justamente aqueles quase-amores que Lísia abandonava. Ela sempre foi uma menina romântica, daquelas que comprava vasos e vasos de flores e escondia embaixo da pia na esperança de que, em algum momento de sua vida, o porteiro do seu prédio interfonasse e avisasse que subiria com umas flores para ela. Contudo, mesmo ainda chorando ao ouvir Roberto Carlos, Lísia aprendeu com a vida que nem tudo são flores. 

Seus antigos romances nunca deram certo, e ela vivia se preguntando o porquê de tudo acabar em reticências. Um dia, acordou filósofa. Olhou para o espelho como filósofa e decidiu revisitar amores na sua memória e buscar um ponto em comum a todos eles. Depois de algumas doses de café e umas palavras de Billy Paul, numa manhã cinzenta de início de ano, Lísia contentou-se com uma lógica: enquanto esteve conhecendo as pessoas amantes de sua vida, em nenhum momento deixou de ter dúvidas motivadas pelos Juans. Sempre houve uma incógnita sobre eles escondida, camuflada. Algo que ela fez a vida toda vista grossa de óculos escuros. Talvez por comodismo, talvez no erro de pensar estar fazendo uma coisa e na hora outra, sem saber. Em suma, foi em um dia de filósofa, cinzento, de Billy Paul, de café forte, que Lísia se deu conta de que o melhor caminho é o da certeza discursiva. Viver de interrogações é mal caminho. 

Lísia percebeu, jogando-se no sofá, que nunca foi amada por nenhum deles, tendo em vista que, por conta da dúvida particular que estes tinham, nunca nenhum deles lhe dera a certeza positiva, desse modo, nas entrelinhas, a obrigação dela era uma hora desistir. E assim o fez a vida toda. Depois de todo esse momento-descoberta, Lísia seguiu para o banho, soltou Jobim pela casa, lavou o caramelo do cabelo. Desceu para encontrar o Troller com uma caixa cheia de cacarecos: eram as lembranças dos antigos amores. Jogou na mala. Perambulou um pouco pela cidade, parou em uma lixeira pública, deixou tudo lá. 

Lísia nunca foi amada. Mas sem preocupar-se com isso, lembrou-se que tinha marcado hora no salão para trocar o tom do pink das unhas, lembrou-se que chegara novos longas do Allen e que, às 22h, ficou de encontrar Beto no La Monique. Ao menos Beto já havia dado certeza que iria, e isso já era um bom sinal. 

3 comentários:

  1. Adoray! Muito bom, bem escrito, sucinto, uma episódio da vida que nos faz pensar...

    "Viver de interrogações é mal caminho. "

    Beijos, minha contista :-)

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  2. Blog fantástico, é para mim um privilégio poder ler as suas palavras, de certo que mais vezes virei aqui, no entanto agora vim para encontrar novos amigos e ao mesmo tempo divulgar meu blog.
    Quero apresentar o Peregrino E Servo. Gostava que visse meu blog e desejar fazer parte dos meus amigos virtuais esteja à vontade, mas faça-o apenas se desejar.
    Muitas felicidades e saúde.
    Sou António Batalha.

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    1. António,

      seja muito bem-vindo! O espaço é nosso e estou felicíssima em saber que gostaste do meu blog.

      Abraços!

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