domingo, 16 de fevereiro de 2014

A volta

É, eu sei, agora eu sei: você vai me fazer falta, moço. É doloroso sentir, bem pior do que saber, que você se foi, que agora sou apenas eu e eu mesma e que a parte que um dia me transbordou, foi derramar algo a mais do outro lado da avenida. A gente acabou. Chegamos ao ponto final.

Outro dia li um livro sobre términos: a garota da história mandou todas as lembranças do que foi o amor deles por meio de uma caixa. E no fim, ela sempre explicava "Foi por isso que a gente acabou". A gente está tendo o mesmo fim: só que eu não te mandarei as lembranças pois estou deixando-as roerem o que sobrou de nós em mim e tenho a certeza que nada vai ficar. Depois de um tempo, eu vou te ver por aí e não terá mais nada que me interligue a você.

[por quê?]

Eu passei a noite chorando. Não mentirei a você, não fingirei que nada aconteceu. Porque aconteceu e você sabe muito bem do que estou falando. Você sabe muito bem quem bateu a porta na minha cara e deixou minha alma no sofá, desoladamente, sem par. Você sabe muito bem quem tentou até o último gole de café que sempre significava que não era para você ir, e sim, ficar para mais uns três dias. Você sabe muito  porque resolveu partir em retirada. 

Eu recebi uma carta sua. Estava em cima da mesinha da cabeceira da cama. Em um lugar deveras impróprio. Não sei não, alguém tinha que ficar com ela. Mas esse alguém tinha de ser eu? Ela ainda trazia seu perfume...deve tê-la escrito após o banho. Você sempre foi ritualístico: principalmente quando queria dizer alguma trapaça. 

Eu sempre estive por aqui. Hoje já faço questão que você não esteja mais. Atravessou a avenida, me levou na mala, me deixou no parquinho do caminho. Fiquei à noite inteira por lá. Fez frio. Doeu mais ainda. Me vi forçada a voltar para casa. Aqui tava menos frio, apesar de imensamente vazio.

Dói saber que você foi embora para nunca mais. Dói saber que o fim veio. Mas dói bem menos, hoje, pelo fato de teres me deixado voltar. Pra casa. Que um dia foi sua e que agora não é mais de ninguém daquela época. As minhas sobras foram pro lago. Eu eu voltei pra casa. Nova. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

Relato sem título

Eu não sei se isso é legal, sabe? mas eu sempre fui de me apaixonar. Acho que me apaixonei demais nessa vida – ou acho que. Mas, bem mais que me apaixonar pelo cara da balada ou pelo amigo que era da faculdade, eu me apaixonei pelas histórias que eles traziam. E isso, sim, acho que tem um “q” de paixão de verdade. 

Eu queria tanto fazer parte daquelas histórias, sabe? Queria ter um espacinho, ter um pouco de cena, fazer linhas e ser lembrada. Eu queria que aquelas histórias se unissem com a minha, entende? Porque eu acho que quando se gosta de alguém, se deve abraçar a bagagem desse alguém junto. Eu queria ter ficado. Daria tudo para ter ficado, e faria tudo outra vez, para tentar ter ficado. Não, não é carência. Nunca foi carência. É porque quando se gosta, se gosta, e  era“o começo do fim das nossas vidas”: aproveitaríamos. E eu queria ter tido o começo, primeiro; não o fim. Porque sempre acreditei nesses lances de amor...afinal de contas: o mundo só existe em virtude de um amor primeiro.

Quando eu estava de mãos dadas com minhas paixões eu quis histórias reais, não coisas do cinema. Minha vida não é um filme. Será. Ela ainda não acabou – eu ainda não morri. Efetivamente. Cada fim foi um recomeço e eu repeti a fita umas mil vezes aprendendo de verdade só duas partes dela. E mais duas na seguinte. E mais duas no que veio depois e assim por diante. Quando eu estava de mãos dadas com minhas paixões eu só queria bons amores: daqueles que apertam sem amarrar, aqueles que quebram copos, viram dias em silêncio, mas que oferecem colo, braço, perna e coração. E até lágrimas, caso fosse necessário. 

Eu queria amores que conversassem. Olho no olho. Mãos com mãos. “O meu cheiro no teu travesseiro”. O teu amor na minha saudade. A minha saudade no teu reencontro. O meu abraço na tua vida. A minha dor nos teus olhos. Minha felicidade na tua esperança. Queria amor desses normal. Que fazem companhia; que dizem que é hora de voltar, ir embora, chegar, correr, morrer. Queria um amor para ser aceito em paz com seus defeitos de fábrica, mas que me obrigasse a ler manuais. Ver palestras. Pedir ensinamentos. 

Mas nada deu certo até agora.  E meu amor não deixou saudade. 

Porque, na certeza de dias melhores, ainda não deu tempo dele chegar "nesse lugar que ninguém mais pisou".


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"Vem que no caminho eu te explico."

Ao som de House of Shem, Think about you

Eu preciso confessar que esse medo que você tem em dar um passo “além-mar” às vezes me assusta. Mas não me detém.

Aos cinco anos de idade, quando meus pais me abandonaram para viajar pelo mundo e curtir seus últimos anos na  casa dos vinte, eu tive de me virar. Vovó era jovem, mas, mesmo assim, eu estava só e aos cinco anos eu me vi obrigado a ser homem 4 vezes mais.

Meus pais não estavam aqui quando aprendi a ler com proficiência; minha mãe não estava aqui para me ajudar quando meus dentes caíram; papai não me levou para o futebol e também não pude contar a ele minhas primeiras aventuras. Quando estava na casa dos dezessete, eles não comemoraram quando passei para a faculdade. Eu não tive o privilégio. Esse privilégio.

Tive outros – talvez mais intensos e mais reais, mesmo que difíceis.

Eu trabalhei cedo. Eu viajei por aí cedo. Conheci gente e fui conhecido também. Daí que nesse embalo da vida vivi situações mais íntimas e tive que tentar construir muita coisa em conjunto, sentir o gosto da derrota amorosa muitas outras vezes e querer tentar acertar em outras tantas. Eu me acostumei. Já faço parte deste organismo. Já rascunhei uma cartilha e não tenho medo em acrescentar novas informações e eliminar páginas.

Eu criei coragem com o tempo. Fui me tornando homem com vontade. E nessa vontade perdi o medo: o de viver, o de me entregar e o de proteger quem vier comigo. Acredito que isso seja fruto da rejeição do passado, do trauma, em partes, superado e da vontade enorme em ter uma história mais cuidadosa do que a que tive anos atrás.

Por isso eu espero você. Eu entendo você. E pretendo não te julgar. A única exigência que faço é: não solte a minha mão. Não me impeça de muita coisa, apenas confia em mim. Eu não sou o mesmo cara de cinco anos de idade. Não fica assustada, não entre em desconformes e não me tenha como inimigo. Apenas confia. E me deixa ser algo teu. Não precisa temer a vida, sei alguns macetes. Me segura forte e


"Vem que no caminho eu te explico."


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A volta da saudade nossa de cada dia


Ao som de "All in all", Lifehouse


A nossa vida tinha cara de verdade, meu bem. De verdade crua. De verdade nua. De verdade estampada no varal. A nossa história teve cara de botão de rosa: cheiroso, charmoso, delicado e real. A nossa história tinha cara-sabor de fruta cristalizada, que lembrava o Natal frio do Sul. E o Natal frio do Sul lembrava as nossas palavras quentes. Deixa pra lá, vê se dorme quando essa parte da lembrança chegar.

Nossa história teve tinta fresca, sabonete floral, carpete antialérgico, sábado de cama, som de chuva e portas trancadas. Meu amor, as coisas mudaram e tudo se perdeu – na última estação do trem. A gente viajou cada um para o seu lado ao som do nada, porque não tínhamos nada mais para tocar, a não ser o nosso passo solitário. Eu fui embora. Você também foi. A gente se deixou. A gente se largou, essa é que foi a verdade.

Só não entramos no vagão do esquecimento. Esquecemos os bilhetes.

Deu pra perceber isso no bar, na semana passada. Passei por você; você me provocou com seu perfume, eu me sintonizei na tua harmonia, você cutucou o garçom, pediu uma bebida e cerrou os olhos: alguém nos viu nos vendo. E ficamos tímidos pelas nossas vergonhas. Nunca havíamos passado por isso – e, sobre as nossas vergonhas, o lixão a caminho da casa da sua tia, no lado oeste da cidade, ainda deve guardar aquela lata de nossa velha timidez.

Voltando ao bar, ao passo que nos olhamos, ficamos mais sóbrios do que quando havíamos entrado nele. E foi então que você me olhou de novo, eu retribuí. Eu cheguei mais perto, você me segurou pela cintura e acordamos três anos mais tarde:


isso porque a história que agora contei foi nosso momento 1. E o reflexo dessa nossa mania de acreditar que eu amo você e "eu amo você", você pra mim, de verdade, veio só no mais tarde:

 De uma verdade crua. De uma verdade nua. De uma verdade estampada no (novo) varal.