quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Maria de minhas flores


Há um tempo desse atrás, eu, um homem de meias palavras, de escrituras herméticas e de dizeres desinteressados, amei uma dessas mulheres de flores. Era uma transeunte de cabelos castanhos, de perfume marcante e belos sibilares rosas. Minha fugaz alma masculina acionara-se logo no primeiro desencadear de seus passos; porém, assim como o vento, ela não era igual às demais que transeuntavam pelo mesmo lugar. No botequim da esquina, na viração da ladeira de cima com a próxima perpendicular, ela parava todos os  dias para desfilar com suas flores - mas nos cabelos, apenas algumas faziam-se sua marca: rosas. Creio que dentro da cesta que trazia consigo, havia bem mais que flores da temporada. Sempre acreditei na possibilidade da “Maria de minhas flores” ser alguma ressurreição das almas femininas, já padecidas depois da Inquisição. Com o tempo, resolvi inteirar-me de suas mercadorias, e, nesta ladainha, quase virei um botânico. Depois de tantas idas e idas e mais idas, sentei-me no tal botequim. Pedi um licor (que era para combinar com a paisagem da janela) e me dispus a ler meu jornal e de soslaio, a enamorar aquela que viria a ser mais uma de minhas Marias. Fiz de Maria minha rotina. Todos os dias. Todos os momentos. Decidi, por vezes, escrever em um papel de pão. E nada conseguira. No dia que Maria faltara, lá estava eu, com um papel de padaria, todo rabiscado que assim dizia:

Um girassol no teu cabelo jamais seria capaz de ofuscar teu brilho.
Alguém neste botequim, na mesa 44, em frente à sacadinha, ludibriado pelo teu vestido”


E realmente era verdade.  Maria roubara-me minha solidão. Passei a me sentir melhor depois que iniciei a decoração de minha casa com flores, todas compradas ao pés de minha Maria. Com as chuvas, o fim do verão e a chegada do frio, Maria se fora e com ela, embrulhado naquela cesta, foi-se meu amor e toda a minha alegria. Maria se fora, e nunca mais voltara. E eu fiquei, lá em casa, sozinho, com apenas os vasos vazios a me acompanharem. Porém, ainda continuo a frequentar o mesmo botequim.

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